terça-feira, 23 de março de 2010

Prematuro "mora" na blusa da mãe com programa canguru, que faz 30 anos


MARY PERSIA
Editora de Equilíbrio da Folha Online

A adolescente Thamara Almeida Lira teve uma experiência inusitada dias atrás: precisou explicar à mãe o que o filho recém-nascido fazia dentro de sua blusa.
Kauã nasceu no Hospital Maternidade Interlagos (zona sul de SP) com menos de 2 kg, aos sete meses de gestação. O local, especializado em bebês e grávidas de alto risco, adota o método canguru com recém-nascidos de baixo peso. Lá, as crianças ficam sob as roupas das mães.

ÁUDIO: Hospital santista é pioneiro no Brasil

VÍDEO: Pai-canguru ajuda prematura a viver

ENTREVISTA: Mãe é melhor médica, diz criador
Saiba mais sobre maternidade e infância
"Ele fica apenas com a cabeça de fora, sentindo o meu calor", diz Thamara. "Minha mãe achou bom, pois ele está pegando peso."
A explicação da adolescente de 16 anos à própria mãe não é fato raro. Para muitas avós, a explicação se faz necessária, uma vez que o método é política pública no Brasil há apenas nove anos --as primeiras experiências por aqui remontam a 1991, no Hospital Guilherme Álvaro, em Santos.
O método começou a ser utilizado há 30 anos na Colômbia por uma equipe do Instituto Materno-Infantil de Bogotá, implantado pelo médico Héctor Martínez.
Os motivos do sucesso do método vão além dos aspectos psicológicos. "No colo, a criança fica mais calma, há a troca da flora de bactérias e de anticorpos entre mãe e filho. Melhoram a parte física, o ganho de peso, e o vínculo afetivo", diz Edinéia Vaciloto Lima, neonatologista da maternidade Pro Matre Paulista.
Peso
Se, antes, o bebê de baixo peso ficava na incubadora até atingir 2 kg, hoje ele pode ir para o colo da mãe (ou do pai) a partir de 1,250 kg. Para realizar o canguru, porém, não basta que o bebê tenha determinado peso.

É o caso de Kethelyn Joice, de um mês e meio, que nasceu com 980 g e há 11 dias experimenta o colo da mãe, Alessandra Maurício Pereira, 29. As duas se encontram diariamente no hospital de Interlagos."Sabemos o quanto o método é bom, mas é importante haver estabilidade clínica para evitar riscos", diz Edinéia. Por isso, há prematuros maiores que não podem deixar a incubadora, enquanto outros menores, mesmo com sonda, vão para o colo da mãe.
"Fico com ela o dia inteiro. Chego às 9h30 e só vou embora às 19h", conta a diarista, que apresentou quadro de hipertensão na gravidez levada até o sexto mês. A filha, hoje com 1,6 kg, pôde ser tocada pela mãe desde o primeiro dia de vida, mesmo na incubadora.
Para a alta da criança, a balança igualmente influencia, mas não determina a alta da criança. Para ir para casa, a amamentação faz toda a diferença. "Vimos que, se a mãe 'sente' bem o bebê e faz amamentação exclusiva, o período de internação é abreviado", diz Daniel Caldevilla, diretor de neonatologia do Hospital Maternidade Interlagos.

Mais que visita
As crianças que se alimentam somente de leite materno podem ser liberadas a partir de 1,8 kg, com retornos a cada dois dias.
Com a abordagem humanizada que gradativamente toma conta das UTIs neonatais, as mães se tornaram mais que uma visita. Delas provêm informações que ajudam na avaliação da criança. "O profissional pega o bebê para examinar. Já a mãe vai conhecendo bem o bebê desde que ele nasce", diferencia Caldevilla.
Para favorecer esse relacionamento, as mães são incentivadas a realizar o toque e a alimentação da criança que necessita da incubadora. Procedimentos que Silvana Cândido da Silva, 34, já vinha fazendo com Eduardo, nascido há três semanas com 1,2 kg.
Pegar no colo, porém, ela ainda não podia. Até que, na última quarta-feira, experimentou o canguru pela primeira vez.
"Eu via outras mães fazendo e perguntava quando seria eu", conta Silvana. "Esperei desde a gravidez para pegá-lo no colo." A reportagem, diante da cena, percebe a hora de deixar mãe e filho, enfim, sós.

Mães relatam benefícios do "sling", carregador de pano para bebês


Com 2 anos e 7 meses meu filho dorme numa
 boa no Sling durante as compras
RACHEL BOTELHO
colaboração para a Folha de S.Paulo


Durante os cinco meses em que ficou afastada do trabalho após o nascimento de Pedro, hoje com dois anos e oito meses, e de Luana, oito meses, a estatística Relze Fernandes, 32, carregou os filhos para cima e para baixo. E, segundo diz, não precisou deixar nenhuma atividade de lado por causa disso.

"Colocava o 'sling' de manhã e passava o dia todo com ele. Na única vez em que esqueci, fiquei 'podre' de levar meu filho no colo. Usava tanto que não conseguia tirar nem para lavar", diverte-se.
Assim como as mães-celebridades Julia Roberts e Angelina Jolie, Relze faz parte de um grupo crescente de mulheres (e homens) de grandes centros urbanos que está aderindo a carregadores de tecido para transportar os bebês próximos ao corpo durante passeios e tarefas rotineiras, um hábito arraigado entre povos de regiões da Ásia e da África e que tem adeptos também na Europa e na América do Norte.

"As mães relatam que seus filhos choram menos e se sentem mais seguros, além de sentarem e andarem mais cedo", afirma a pediatra Jucille Meneses, do departamento científico de neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. "Embora não haja embasamento científico para indicar o uso do 'sling', o contato com a mãe é benéfico para o lactente."Além do aspecto prático --liberar mãos e braços do adulto para outras atividades--, os defensores do "sling" atribuem a ele outras vantagens, como o fortalecimento do vínculo entre mãe e filho e a criação de bebês mais relaxados.
Nos Estados Unidos, o pediatra William Sears, autor de mais de 40 livros, é um dos entusiastas dos carregadores e o responsável por cunhar o termo "babywearing" (algo como "vestir o bebê"). De acordo com ele, os bebês "slingados" choram menos, aprendem mais e são mais espertos.
A modelo Luciane Trapp, 26, que começou a usar o "sling" com Gabriela, 3, e atualmente carrega Bernardo, de dois meses, tem sua própria explicação. "O bebê sai da barriga e é colocado em um berço grande e vazio, o que é muito frio. No 'sling', é como se continuasse no meu corpo", diz. "E, se ele quer mamar, é só arrumar o pano que não dá para ninguém ver. Faço isso até andando."
A pediatra Jucille Meneses cita outras vantagens da rede: mantém as pernas do bebê unidas e não altera o desenvolvimento do quadril, o que pode ocorrer com o uso contínuo da mochila e de modelos tipo cadeirinha. "Algumas pessoas podem se questionar se o carregador aumenta a curvatura da coluna vertebral do bebê, mas isso não ocorre. Ele não leva a vícios de posição", completa.


Cólicas
O "sling" também costuma ser associado à diminuição das cólicas. Relze Fernandes, que passou dez meses "slingando" os filhos, atribui as poucas crises ao fato de eles terem passado muito tempo com as pernas encolhidas na rede. Para a pediatra, a explicação é outra: as dores diminuem graças ao fortalecimento do vínculo entre a mãe e o bebê, "que melhora o ambiente psíquico e, conseqüentemente, as cólicas".
Mas nem todo mundo se sente confortável com o carregador. A psiquiatra Fernanda Moreira, 36, usou com o filho Thiago nos primeiros meses, mas depois notou que ele não queria mais ficar na rede. "Ele não gosta de colo deitado, só em pé, até para dormir. Então, detestou o "sling" logo que passou dos dois meses. Acho que passou a se sentir meio preso", diz.
Em relação ao corpo da mãe, há pelo menos uma ressalva. Para Osmar Avanzi, da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia e professor da Santa Casa de São Paulo, não é recomendável usar os carregadores durante longos períodos para não sobrecarregar a coluna. "É importante também ter um bom condicionamento físico e fazer alongamento para evitar dores lombares. Sem falar que, quanto maior o peso da criança e do próprio adulto, pior a sobrecarga", explica.
Outro medo recorrente entre os que olham com desconfiança para os carregadores, o de criar crianças extremamente dependentes dos pais, é rechaçado pelas adeptas. "Eu me preocupava muito de voltar a trabalhar e o Pedro não se adaptar, pois só dormia no 'sling', mas depois parecia que ele tinha nascido na escola. Ele é muito independente", afirma Relze Fernandes.
Vale lembrar que os carregadores são seguros, desde que os pais tomem alguns cuidados, como verificar o estado da costura e do tecido, não deixar que o pano cubra o rosto do bebê, não colocar objetos dentro do "sling" e, por fim, usar o bom senso ao transportar a criança, segurando-a ao se inclinar para a frente e evitando manipular bebidas quentes e chegar perto de chamas ou objetos cortantes e pontiagudos. O uso é contra-indicado ao andar de bicicleta ou dentro do carro.